Usucapião
de imóvel: quem não registra não é dono?
Você
já deve ter se questionado a respeito. Porém, pode ser que outras perguntas
sejam mais oportunas, como: ‘Será que eu tenho como registrar ou tenho
documentação regularizada do meu imóvel?’
A
ação de usucapião é um instituto previsto no Código Civil Brasileiro, de
extrema relevância, que visa à aquisição da propriedade pelo decurso do tempo,
ou seja, durante os anos que se exerce a posse adquire-se o direito de
registrar o imóvel em seu nome.
Pouco
a pouco, algumas formalidades registrais tornaram-se necessárias devido à
expansão da distribuição de terras, e, após alguns anos da proclamação da
Independência do Brasil, houve a promulgação da Lei nº 601, de 18 de setembro
de 1850, chamada de “Estatuto das Terras Devolutas”, que transformou as
detenções em títulos legítimos e favoreceu o povoamento da colônia, entregando,
inicialmente, a incumbência ao clero, no que ficou conhecido como “Registro do
Vigário” ou “Registro Paroquial”. Era um sistema declaratório, e dependia tão
somente das partes interessadas buscarem o registro, bastando-lhes provar que o
imóvel encontrava-se em sua posse.
Foi
com a Proclamação da República, em 1889, que houve a consagração dos “oficiais
de registros”, e, em 1917, com a entrada em vigor do Código Civil, é que o
registro imobiliário tornou-se uma instituição pública com a função de
viabilizar o cadastro de imóveis, por intermédio da transcrição do título de
transferência, que a cada ato era encerrada, dificultando a verificação do
histórico da propriedade.
A
atual Lei de Registros Públicos nº 6.015 entrou em vigor a partir de 1976,
regulamentando o sistema de registro de imóveis, e instituiu as matrículas em
vez das transcrições, consagrando-se o princípio de que a “propriedade imóvel
só se adquire pelo registro”, que é, assim, a FORMA e o MODO de aquisição,
traduzido, na linguagem popular, pela afirmação: “quem não registra não é
dono”.
Atualmente,
cada cidade possui um cartório de registro imobiliário, cujo papel principal se
revela na instituição da “matrícula”, na qual os registros e as averbações dos
títulos, que tenham por objeto o imóvel matriculado, são efetuados
cronologicamente e conferem a publicidade e a efetivação do direito à
propriedade. No entanto, muitos títulos (contratos, escrituras etc.) não
cumprem com os requisitos legais, sendo impossível registrá-los. Daí, entre
outros institutos, é que a aquisição pela usucapião pode ser a solução para
abertura de matrícula individualizada do imóvel.
O
instituto da usucapião surgiu com o Direito Romano, sendo uma possibilidade
àqueles que possuíssem um terreno provincial, por um determinado tempo,
pudessem rebater ameaças à sua propriedade pelo “tempo prolongado”, podendo
ser utilizada tanto por cidadãos romanos quanto estrangeiros.
No
Brasil, a usucapião teve sua origem com a previsão trazida pelo Código Civil de
1916, época em que as terras eram privilégio de poucas pessoas e era
necessário regulamentar as aquisições sob o aspecto dominial, isto é, corrigir
suas imperfeições e brindar ao possuidor o seu direito ao exercício pleno da
propriedade, ou seja, o registro em cartório.
Atualmente,
a lei civil de 2002 manteve a usucapião como forma de aquisição e, somada à lei
de registros públicos, tem sido um instrumento importante para regularizar
o domínio de imóveis que não possuem registro, ou para quando é inviável a
utilização de outros instrumentos jurídicos.
Diferente
do que muitos pensam, a ação de usucapião não se resume à aquisição para alguém
que encontrou um imóvel abandonado e tomou sua posse; para além disso, a ação é
um instrumento que pode ser utilizado caso haja a impossibilidade do possuidor
conseguir registrar sua propriedade.
A
usucapião de bens imóveis tem previsão em diversos artigos do Código Civil,
entre eles, o 1.238, 1.240-A e 1.242, bem como na Constituição Federal, nos
artigos 183 e 191, e é um meio utilizado para aquisição de uma
propriedade, ou seja, se porventura o processo de aquisição não possa ser ou
não foi registrado em cartório, em decorrência de uma imperfeição do título ou
falta de documentação, por exemplo, é possível utilizar a usucapião para
reconhecimento do direito de propriedade sobre um bem imóvel.
As
etapas de usucapião podem variar de acordo com as regras de eventuais
provimentos no fórum em que o processo será distribuído. No entanto, em geral,
estas são as fases do procedimento:
Ajuizamento: início
da elaboração da petição inicial realizada pelo advogado especializado em
usucapião; seleção de documentos que acompanharão o processo; e distribuição
perante o fórum da cidade do imóvel;
Análise
pelo Cartório de Registro de Imóveis (CRI): oficial de registros informará
ao juiz se o levantamento topográfico está em ordem; comparará os dados dos
confrontantes e antecessores com as matrículas; e poderá pedir que sejam
apresentados ajustes no mapa e memorial descritivo, bem como sejam indicadas as
matrículas ou transcrições que julgue pertinentes para a análise do processo;
Citação
de confrontantes, antecessores e órgãos públicos: inclusão de interessados
no processo, tais como: vizinhos, proprietários antigos, União, Estado e
Município. Ela deve ser realizada, pessoalmente, por oficial de justiça.
Algumas podem ser substituídas por uma “Declaração de Concordância”, o que diminui
as despesas processuais. Também devem ser expedidos editais de citação no
jornal da cidade e no diário da justiça eletrônico para citação de terceiros
interessados e/ou de alguém que, especificamente, não tenha sido encontrado por
oficial de justiça. Após a citação, será de conhecimento a contestação ou não
do processo; se houver, seu curso se prolonga um pouco, uma vez que haverá mais
atos do que o esperado, como a réplica e memoriais (após a audiência);
Perícia: nada
mais é do que a nomeação de um profissional técnico para verificar se o
levantamento topográfico está correto, bem como verificar o exercício da posse
pelos requerentes, e, ainda, responder a questionamentos do juiz, de algum
interessado que tenha contestado, e/ou, até mesmo, do autor, que poderá
utilizá-la como prova aliada a sustentar suas alegações; é importante ressaltar
que a perícia poderá ou não ocorrer, permanecendo a critério do juiz;
Audiência
de instrução: momento em que são ouvidos os depoimentos de testemunhas e
dos autores para o juiz; e serão realizadas perguntas quanto ao tempo da posse;
Após
a audiência, se nada mais for requerido pelo juiz, ou pelas partes, vem a
sentença em que constará se o pedido de usucapião é procedente ou não. Em caso
afirmativo, sem recurso de outra parte, haverá a expedição do mandado de
registro para o Cartório de Registro de Imóveis, sendo necessário acompanhar a
inscrição cadastral (IPTU – urbano, ou ITR e CCIR – rural). Se o pedido de
usucapião for improcedente, será realizada a análise da viabilidade de
interposição de recurso, ou definição da melhor solução para o caso.
Além
dos requisitos como a boa-fé, decurso do tempo e o justo título (em
algumas partes), o advogado especialista deve verificar se o exercício da posse
está presente em todas as modalidades de usucapião, o que deve ser efetivamente
provado nos autos, de forma qualificada, ou seja, a posse passa a ser
denominada ad usucapionem, pois possui requisitos específicos que
precisam ser demonstrados no processo.
O
exercício da posse ad usucapionem deve se dar com ânimo de dono,
de forma mansa e pacífica, contínua e pública, e o possuidor deve demonstrar,
no processo, a vontade de manter o bem como se fosse proprietário e a intenção
de tê-lo para si.
A forma
mansa e pacífica se revela pelo exercício da posse sem oposição de outros,
ou seja, o possuidor deve estar repousado na tranquilidade de que não há
vícios, oferecendo, na aparência, a certeza de que é o dono, a qual deverá
ser contínua e pública: sem interrupções no seu curso ao completar o tempo da
modalidade de usucapião, e ser exercida perante terceiros.
Quais
os requisitos para ajuizar o processo de usucapião?
O
imóvel não pode ser um bem público, ou seja, pertencente ao Município, Estado,
União ou ao Distrito Federal;
Demonstrar
o exercício da posse ad usucapionem – vide parágrafos anteriores – pelo
tempo de 02 a 15 anos, a depender da modalidade de usucapião que se enquadre o
caso;
Deve-se
provar a boa-fé do requerente e a existência de um justo título (contrato
particular, escritura sem registro, entre outros títulos), de acordo com a
modalidade;
Levantamento
topográfico realizado por profissional técnico, contendo mapa, memorial
descritivo e Anotação de Responsabilidade Técnica (ART). Caso o imóvel seja
rural, o levantamento deverá ser realizado por georreferenciamento. Lembre-se:
antes de fazê-lo, consultar um advogado especialista para orientação quanto às
exigências do que deve constar nos trabalhos técnicos;
Pode
ser requerido por Pessoa Física ou Jurídica.
Além
de documentos pessoais, RG, CPF, comprovante de endereço e certidão de
casamento, são necessários:
Contratos,
recibos de pagamento, contas de luz, água e/ou IPTUs, ITRs e CCIRs (para imóvel
rural) de anos anteriores. Quanto mais antigos, melhor para provar o tempo da
posse;
Fotos
do imóvel durante o decorrer dos anos e atuais;
Certidão
de valor venal do imóvel, em caso de propriedade urbana, ou declaração e recibo
do ITR;
Notas
fiscais e comprovantes de realização de benfeitorias;
Nome,
dados pessoais e endereço dos vizinhos e do proprietário anterior;
Matrícula
ou transcrição do imóvel e dos imóveis vizinhos.
E
então, a documentação do seu imóvel está regularizada?